Segundo dados constantes em estudos apresentados na Fundação Getúlio Vargas na Capital do Rio de Janeiro, consta que pesquisa recente feita com 224 Policiais Militares locais, ao menos 50 disseram já ter pensado em suicídio.
Pesquisas acadêmicas
apresentadas no 9º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Rio,
jogaram luz sobre um tema ignorado nas estatísticas oficiais de violência: o
suicídio de policiais militares, civis e federais brasileiros.
Encarregados de salvar e
proteger cidadãos, policiais pensam na própria morte como saída para uma rotina
marcada pelo alto estresse, pelo risco, pelo afastamento da família e pela
convivência com o lado mais sombrio da vida – crime, tráfico, pedofilia e perdas
constantes dos companheiros de trabalho...
Uma das pesquisas, realizada
pelo Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio
de Janeiro), entrevistou 224 policiais militares do Rio de Janeiro. Deles, 22,
ou seja, 10%, declararam ter tentado suicídio. Pelo menos 50 disseram ter
pensado em suicídio em algum momento da vida.
Todos foram voluntários a
participar da pesquisa. A pesquisa Suicídio e
Risco Ocupacional na PM do Rio de Janeiro começou em 2011, como atividade de
pós-doutorado da professora Dayse Miranda. Os números finais estão no prelo e
foram repassados com exclusividade à BBC Brasil.
Junto com os resultados,
numa iniciativa inédita no país, será lançado este ano o Guia de Prevenção de
Suicídio da Polícia Militar do RJ, com dados e sugestões de como abordar o
problema, tanto como questão de saúde individual como com ações institucionais.
“Quando começamos a pesquisar, só conseguimos autorização do comando da PM
porque havia certeza de que o problema não existia. Agora estamos trabalhando
em parceria com o comando e temos todo apoio”, relata Dayse Miranda, que
coordenou a pesquisa.
Da parceria com a PM
surgiu o GEPeSP (Grupo de Estudos e Pesquisas em Suicídio e Prevenção), que
reúne pesquisadores da Uerj e da polícia. A professora coordena também um
trabalho sobre suicídio em todas as PMs brasileiras, sob encomenda do
Ministério da Justiça. Estudo sobre suicídio
entre PMs começou como atividade de pós-doutorado da professora Dayse Miranda
O tema do suicídio na PM
já havia aparecido num outro levantamento do LAV, sobre letalidade da ação
policial. Uma única pergunta tratava de suicídio, e 7% dos entrevistados
disseram ter pensado em se matar.
Os dados chegaram a ser
apresentados em maio numa audiência pública na Alerj (Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro). No painel realizado no Fórum de Segurança pública
foi possível aprofundar o debate e ver que o problema não é só da PM do Rio.
Mais
dados - Outra pesquisa feita com policiais fluminenses,
intitulada Saúde Mental dos Agentes de Segurança Pública, foi apresentada por
Patricia Constantino, do Claves (Centro Latino-Americano de Estudos de
Violência e Saúde Jorge Careli), da Fundação Oswaldo Cruz.
A equipe do Claves ouviu
1.058 policiais civis de 38 unidades, e 1.108 PMs de 17 batalhões. Patrícia
participou de todas as entrevistas e assina o livro resultante da pesquisa,
junto com Maria Cecília Minayo e Edinilsa Ramos de Souza.
"Os policiais relatam
profundo sofrimento psíquico, tristeza, tremores, sentimento de inutilidade.
Muitos confessam que usam drogas lícitas e às vezes ilícitas. Os policiais se
sentem constrangidos em admitir isso. Muitas vezes o médico que o atende é de
patente superior, então ele não vê ali o médico, vê o oficial", conta a
pesquisadora.
Segundo ela, os dados
indicam que a taxa de suicídio entre PMs é 3,65 vezes a da população masculina
e 7,2 vezes a da população em geral. A taxa de sofrimento psíquico revelada
pela pesquisa do Claves, que se transformou em livro, foi de 33,6% na PM e 20,3%
na Polícia Civil. A delegada da PF Tatiane Almeida fez estudo sobre casos de
suicídio na corporação.
Outro problema apontado
por todos os pesquisadores é a falta de estatísticas confiáveis. Muitos
registros de suicídio não são informados pelas corporações. E muitos casos
registrados como mortes de policiais em acidentes são, na verdade, suicídios
disfarçados.
Em muitos Estados
brasileiros, as famílias dos policiais perdem direitos caso a morte seja por
suicídio.
O major Antônio Basílio
Honorato, psicólogo da PM da Bahia, relatou a dificuldade de tratar do tema com
a tropa. Segundo ele, a média em seu Estado tem sido de cinco casos anuais de
suicídios de policiais militares. “Pode parecer um número baixo, mas sabemos
que está abaixo da realidade”, afirmou.
Isolamento
- Diante
da dificuldade de estatísticas, a delegada de Polícia Federal Tatiane Almeida,
mestra em Sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, concentrou-se nos
relatos angustiados dos colegas para escrever a dissertação Quero morrer do meu
próprio veneno, sobre o suicídio na PF.
Constatou, por exemplo,
que as tentativas de suicídio são mais frequentes entre policiais que se
aposentam. “O policial fica isolado da sociedade. Não sabe ser pai, ser marido.
Quando perde o distintivo, fica sem saber o que fazer. Outro ponto é que está
na nossa formação suspeitar sempre do outro. O policial acha que todo mundo é
ruim e ele é o herói. E não aceita ser visto como fraco”, disse a delegada.
Na plateia, vários
policiais, fardados ou à paisana, acompanhavam o debate, que aconteceu na tarde
de ontem (quarta-feira, 29). Alguns se arriscaram a falar.
Heder Martins, subtenente
da PM de Minas Gerais e assessor parlamentar do deputado federal e policial
Subtenente Gonzaga (PDT-MG), disse que, só este ano, houve 6 suicídios em sua
corporação. “Anteontem um colega tentou se matar dentro de uma delegacia.
Ontem, outro se matou no interior. Tinha sete anos de serviço”, contou.
“No ano passado, dois
colegas da PM se suicidaram no dia do meu aniversário, 24 de junho. Foi o pior
dia da minha vida, porque fiquei pensando na minha vida profissional, no que
valia ou não a pena fazer”, disse Edson Maia, subtenente da PM de Brasília.
Ele trabalha no setor de
inteligência, mas é voluntário num serviço de prevenção ao suicídio. Entre as
estatísticas esparsas e o relato da angústia, o alerta dos pesquisadores é para
que as polícias repensem, na formação e no treinamento dos policiais, o fortalecimento
psíquico.“O policial angustiado não faz mal só a ele e à sua família. O
policial angustiado é pior para a sociedade, porque vai para a rua para
extravasar esse sofrimento”, afirmou a delegada Tatiane Almeida.
'Policial
não é máquina' O chefe do Estado-Maior da PM do Rio,
coronel Róbson Rodrigues, também apresentou nesta quinta-feira no Fórum de
Segurança Pública, realizado na sede da Fundação Getúlio Vargas, dados sobre o
sofrimento psíquico dos policiais e admitiu que essa é uma preocupação da
corporação.
Diagnóstico realizado pela
PM do Rio entre policiais de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) constatou
que 70% deles relataram ter algum tipo de sofrimento psíquico, de depressão a
dificuldades de relacionamento.
O problema é mais
frequente, segundo o levantamento, justamente nas áreas mais conflagradas e com
maior número de confrontos. Rodrigues destacou que os números são uma amostra e
não se referem ao conjunto da PM.
Questionado
especificamente sobre a pesquisa do suicídio, disse que o suicídio é uma
realidade, além de um tabu, e que há uma preocupação em criar políticas de
acompanhamento do policial que está em sofrimento psíquico e que pode vir a
atentar contra a própria vida.
“Como gestor, a gente
precisa construir programas e políticas institucionais em apoio a esses
policiais que estão em sofrimento mental. A percepção de uma segurança pública
militarizada, que levou a pensar o policial como uma máquina de guerra, também
gerou problemas”, afirmou Rodrigues.
Fonte: Por Fernanda da
Escóssia, BBC Brasil/Getty - 02/08/2015.