sexta-feira, 29 de abril de 2016

O bravo General Chu Teh sabia das coisas.

Agnes Smedley (1892-1950) foi uma jornalista norte-americana negra que seguiu as forças comunistas lideradas  por Mao Tze Tung durante a Guerra Civil Chinesa as quais acabaram se impondo às forças de Chiang Kai Chek, apoiadas pelo imperialismo ianque e inglês.  
Agnes colaborava com vários jornais e revistas ocidentais. Lutadora infatigável pelos direitos das mulheres, controle seletivo  da natalidade e pelo bem estar das crianças de todo o mundo escreveu uma notável biografia do general Chinês Chu Teh o grande comandante militar do Exército do Povo Camponês da China.
Agnes rememora um momento quando ela pergunta a Chu Teh  sobre  o fato conhecido de ele ter sido um bandido  e um ladrão em sua juventude. O general silenciou por alguns momentos  e respondeu: “O roubo, como você sabe, é também uma questão de classe [social]”.
Aijaz Ahmad professor no centro de estudos Contemporâneos de Nova Delhi e do Departamento  de Ciências Políticas  da Universidade de York, Canadá, numa entrevista perguntado sobre o significado das famosas  palavras de Chu Teh respondeu com exemplos de seu país natal. 
A Índia tem uma população de um bilhão de pessoas,metade delas é analfabeta, mas  nenhum burguês em qualquer lugar do mundo é analfabeto e nenhum daqueles que constantemente falam  do ” Prazer do Texto “ ou “ das diferenças semânticas  entre o Significado e o Significante” são pobres. 
Cerca da metade das pessoas cegas no mundo vivem na Índia, mas a cegueira também é uma questão de classes, no sentido que  é esmagadoramente uma doença dos pobres  ligada às condições de vida que a produzem, com a quantidade e qualidade de hospitais e de médicos e com a capacidade de pagar pelos necessários cuidados e pela cura. 
Prossegue Aijaz Ahmad: o que precisa se justificar é essa outra espécie de cegueira que se recusa a ver a maioria das coisas e que  está intimamente ligada  a uma questão de classe. Podemos falar e escrever sobre  regimes opressivos e brutais, mas cultivamos todas as espécies de  polidez e dissimulação a respeito da estrutura das relações capitalistas de classe nas quais estes regimes estão baseados: resumidamente,  no roubo extraído do trabalho da maioria das classes sociais que realmente trabalham para produzir os bens consumidos por uma minoria.
Ainda pensando nas palavras do General  Chu Teh
O Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo. O topo da pirâmide social, formado por 71.440 pessoas com renda mensal superior a 160 salários mínimos, totalizou rendimentos de R$ 298 bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão em 2013. 
Essa minúscula elite (0,05% da população economicamente ativa) concentra 14% da renda total e 22,7% de toda riqueza declarada em bens e ativos financeiros. Esses extremamente ricos apresentam elevadíssima proporção de rendimentos isentos de imposto de renda. 
Outra face da injustiça do sistema tributário brasileiro reside na inexistência de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos. Entre os 34 países da OCDE, apenas a Estônia adota semelhante bizarrice. 
Em média, a tributação total do lucro (integrando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 43% nos países da OCDE (sendo 64% na França, 48% na Alemanha e 57% nos EUA). No Brasil, a taxa é inferior a 30%. 
As raízes desse descompasso remetem às reformas realizadas na ditadura militar, ampliadas no ciclo neoliberal dos anos 90. Nenhum governo ousou mudar essa equação, que se transformou em fonte de degenerescência da estrutura tributária e em obstáculo para o crescimento econômico e a justiça fiscal. Não se justifica condenar os deserdados a pagarem os custos do desajuste fiscal recessivo para preservar o privilégio tributário dos ricos: é possível simultaneamente fazer justiça fiscal e justiça social. 
Tudo se explica por ser uma questão da divisão estanque das classe sociais  que na realidade, como na Índia das castas, resultam na cruel distribuição de renda dos dois países, na miséria resultante, na cegueira moral e  ética das minorias enriquecidas, com a colaboração servil de parte da intelectualidade, da maioria dos profissionais ditos  ou que se julgam liberais, da mídia e das instituições legislativas e judiciais. 
Incrível é se verificar que o bravo General Chu Teh já sabia de tudo isso já na década de 50 do século passado e a jornalista negra americana Agnes Medley, também. E nós, hoje, ainda não !
.oOo. Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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